sexta-feira, 20 de maio de 2011

POR UMA ARTE REVOLUCIONARIA INDEPENDENTE - André Breton e Leon Trotski



1) Pode-se pretender sem exagero que nunca a civilização humana esteve ameaçada por tantos perigos quanto hoje. Os vândalos, com o auxílio de seus meios bárbaros, isto é, deveras precários, destruíram a civilização antiga num canto limitado da Europa. Atualmente, é toda a civilização mundial, na unidade de seu destino histórico, que vacila sob a ameaça das forças reacionárias armadas com toda a técnica moderna. Não temos somente em vista a guerra que se aproxima. Mesmo agora, em tempo de paz, a situação da ciência e da arte se tornou absolutamente intolerável.

2) Naquilo que ela conserva de individualidade em sua gênese, naquilo que aciona qualidades subjetivas para extrair um certo fato que leva a um enriquecimento objetivo, uma descoberta filosófica, sociológica, científica ou artística aparece como o fruto de um acaso precioso, quer dizer, como uma manifestação mais ou menos espontânea da necessidade. Não se poderia desprezar uma tal contribuição, tanto do ponto de vista do conhecimento geral (que tende a que a interpretação do mundo continue), quanto do ponto de vista revolucionário (que, para chegar à transformação do mundo, exige que tenhamos uma idéia exata das leis que regem seu movimento). Mais particularmente, não seria possível desinteressar-se das condições mentais nas quais essa contribuição continua a produzir-se e, para isso, zelar para que seja garantido o respeito às leis específicas a que está sujeita a criação intelectual.

3) Ora, o mundo atual nos obriga a constatar a violação cada vez mais geral dessas leis, violação à qual corresponde necessariamente um aviltamento cada vez mais patente, não somente da obra de arte, mas também da personalidade “artística”. O fascismo hitlerista, depois de ter eliminado da Alemanha todos os artistas que expressaram em alguma medida o amor pela liberdade, fosse ela apenas formal, obrigou aqueles que ainda podiam consentir em manejar uma pena ou um pincel a se tornarem os lacaios do regime e a celebrá-lo de encomenda, nos limites exteriores do pior convencionalismo. Exceto quanto à propaganda, a mesma coisa aconteceu na URSS durante o período de furiosa reação que agora atingiu seu apogeu.

4) É evidente que não nos solidarizamos por um instante sequer, seja qual for seu sucesso atual, com a palavra de ordem: “Nem fascismo nem comunismo”, que corresponde à natureza do filisteu conservador e atemorizado, que se aferra aos vestígios do passado “democrático”. A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem e da humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse apenas para libertar a. criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda a humanidade elevar-se a alturas que só os gênios isolados atingiram no passado. Ao mesmo tempo, reconhecemos que só a revolução social pode abrir a via para uma nova cultura. Se, no entanto, rejeitamos qualquer solidariedade com a casta atualmente dirigente na URSS, é precisamente porque no nosso entender ela não representa o comunismo, mas é o seu inimigo mais pérfido e mais perigoso.

5) Sob a influência do regime totalitário da URSS e por intermédio dos organismos ditos “culturais” que ela controla nos outros países, baixou no mundo todo um profundo crepúsculo hostil à emergência de qualquer espécie de valor espiritual. Crepúsculo de abjeção e de sangue no qual, disfarçados de intelectuais e de artistas, chafurdam homens que fizeram do servilismo um trampolim, da apostasia um jogo perverso, do falso testemunho venal um hábito e da apologia do crime um prazer. A arte oficial da época estalinista reflete com uma crueldade sem exemplo na história os esforços irrisórios desses homens para enganar e mascarar seu verdadeiro papel mercenário.

6) A surda reprovação suscitada no mundo artístico por essa negação desavergonhada dos princípios aos quais a arte sempre obedeceu, e que até Estados instituídos sobre a escravidão não tiveram a audácia de contestar tão totalmente, deve dar lugar a uma condenação implacável. A oposição artística é hoje uma das forças que podem com eficácia contribuir para o descrédito e ruína dos regimes que destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe explorada de aspirar a um mundo melhor e todo sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana.

7) A revolução comunista não teme a arte. Ela sabe que ao cabo das pesquisas que se podem fazer sobre a formação da vocação artística na sociedade capitalista que desmorona, a determinação dessa vocação não pode ocorrer senão como o resultado de uma colisão entre o homem e um certo número de formas sociais que lhe são adversas. Essa única conjuntura, a não ser pelo grau de consciência que resta adquirir, converte o artista em seu aliado potencial. O mecanismo de sublimação, que intervém em tal caso, e que a psicanálise pôs em evidência, tem por objeto restabelecer o equilíbrio rompido entre o “ego” coerente e os elementos recalcados. Esse restabelecimento se opera em proveito do ”ideal do ego” que ergue contra a realidade presente, insuportável, os poderes do mundo interior, do “id”, comuns a todos os homens e constantemente em via de desenvolvimento no futuro. A necessidade de emancipação do espírito só tem que seguir seu curso natural para ser levada a fundir-se e a revigorar-se nessa necessidade primordial: a necessidade de emancipação do homem.

8) Segue-se que a arte não pode consentir sem degradação em curvar-se a qualquer diretiva estrangeira e a vir docilmente preencher as funções que alguns julgam poder atribuir-lhe, para fins pragmáticos, extremamente estreitos. Melhor será confiar no dom de prefiguração que é o apanágio de todo artista autêntico, que implica um começo de resolução (virtual) das contradições mais graves de sua época e orienta o pensamento de seus contemporâneos para a urgência do estabelecimento de uma nova ordem.

9) A idéia que o jovem Marx tinha do papel do escritor exige, em nossos dias, uma retomada vigorosa. É claro que essa idéia deve abranger também, no plano artístico e científico, as diversas categorias de produtores e pesquisadores. "O escritor, diz ele, deve naturalmente ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas não deve em nenhum caso viver e escrever para ganhar dinheiro... O escritor não considera de forma alguma seus trabalhos como um meio. Eles são objetivos em si, são tão pouco um meio para si mesmo e para os outros que sacrifica, se necessário, sua própria existência à existência de seus trabalhos... A primeira condição da liberdade de imprensa consiste em não ser um ofício. Mais que nunca é oportuno agora brandir essa declaração contra aqueles que pretendem sujeitar a atividade intelectual a fins exteriores a si mesma e, desprezando todas as determinações históricas que lhe são próprias, dirigir, em função de pretensas razões de Estado, os temas da arte. A livre escolha desses temas e a não-restrição absoluta no que se refere ao campo de sua exploração constituem para o artista um bem que ele tem o direito de reivindicar como inalienável. Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino. Àqueles que nos pressionarem, hoje ou amanhã, para consentir que a arte seja submetida a uma disciplina que consideramos radicalmente incompatível com seus meios, opomos uma recusa inapelável e nossa vontade deliberada de nos apegarmos à fórmula: toda licença em arte.

10) Reconhecemos, é claro, ao Estado revolucionário o direito de defender-se contra a reação burguesa agressiva, mesmo quando se cobre com a bandeira da ciência ou da arte. Mas entre essas medidas impostas e temporárias de autodefesa revolucionária e a pretensão de exercer um comando sobre a criação intelectual da sociedade, há um abismo. Se, para o desenvolvimento das forças produtivas materiais, cabe à revolução erigir um regime socialista de plano centralizado, para a criação intelectual ela deve, já desde o começo, estabelecer e assegurar um regime anarquista de liberdade individual. Nenhuma autoridade, nenhuma coação, nem o menor traço de comando! As diversas associações de cientistas e os grupos coletivos de artistas que trabalharão para resolver tarefas nunca antes tão grandiosas unicamente podem surgir e desenvolver um trabalho fecundo na base de uma livre amizade criadora, sem a menor coação externa.

11) Do que ficou dito decorre claramente que ao defender a liberdade de criação, não pretendemos absolutamente justificar o indiferentismo político e longe está de nosso pensamento querer ressuscitar uma arte dita “pura” que de ordinário serve aos objetivos mais do que impuros da reação. Não, nós temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influência sobre o destino da sociedade. Consideramos que a tarefa suprema da arte em nossa época é participar consciente e ativamente da preparação da revolução. No entanto, o artista só pode servir à luta emancipadora quando está compenetrado subjetivamente de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior.

12) Na época atual, caracterizada pela agonia do capitalismo, tanto democrático quanto fascista, o artista, sem ter sequer necessidade de dar a sua dissidência social uma forma manifesta, vê-se ameaçado da privação do direito de viver e de continuar sua obra pelo bloqueio de todos os seus meios de difusão. É natural que se volte então para as organizações estalinistas que lhe oferecem a possibilidade de escapar a seu isolamento. Mas sua renúncia a tudo que pode constituir sua mensagem própria e as complacência degradantes que essas organizações exigem dele em troca de certas possibilidades materiais lhe proíbem manter-se nelas, por menos que a desmoralização seja impotente para vencer seu caráter. É necessário, desde este instante, que ele compreenda que seu lugar está além, não entre aqueles que traem a causa da revolução e ao mesmo tempo, necessariamente, a causa do homem, mas entre aqueles que dão provas de sua fidelidade inabalável aos princípios dessa revolução, entre aqueles que, por isso, permanecem como os únicos qualificados para ajudá-Ia a realizar-se e para assegurar por ela a livre expressão ulterior de todas as manifestações do gênio humano.

13) O objetivo do presente apelo é encontrar um terreno para reunir todos os defensores revolucionários da arte, para servir a revolução pelos métodos da arte e defender a própria liberdade da arte contra os usurpadores da revolução. Estamos profundamente convencidos de que o encontro nesse terreno é possível para os representantes de tendências estéticas, filosóficas e políticas razoavelmente divergentes. Os marxistas podem caminhar aqui de mãos dadas com os anarquistas, com a condição que uns e outros rompam implacavelmente com o espírito policial reacionário, quer seja representado por Josef Stálin ou por seu vassalo Garcia Oliver.

14) Milhares e milhares de pensadores e de artistas isolados, cuja voz é coberta pelo tumulto odioso dos falsificadores arregimentados, estão atualmente dispersos no mundo. Numerosas pequenas revistas locais tentam agrupar a sua volta forças jovens, que procuram vias novas e não subvenções. Toda tendência progressiva na arte é difamada pelo fascismo como uma degenerescência. Toda criação livre é declarada fascista pelos estalinistas. A arte revolucionária independente deve unir-se para a luta contra as perseguições reacionárias e proclamar bem alto seu direito à existência. Uma tal união é o objetivo da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente (FIARI) que julgamos necessário criar.

15) Não temos absolutamente a intenção de impor cada uma das idéias contidas neste apelo, que nós mesmos consideramos apenas um primeiro passo na nova via. A todos os representantes da arte, a todos seus amigos e defensores que não podem deixar de compreender a necessidade do presente apelo, pedimos que ergam a voz imediatamente. Endereçamos o mesmo apelo a todas as publicações independentes de esquerda que estão prontas a tomar parte na criação da Federação Internacional e no exame de suas tarefas e métodos de ação.

16) Quando um primeiro contato internacional tiver sido estabelecido pela imprensa e pela correspondência, procederemos à organização de modestos congressos locais e nacionais. Na etapa seguinte deverá reunir-se um congresso mundial que consagrará oficialmente a fundação da Federação Internacional.

O que queremos:
a independência da arte - para a revolução
a revolução - para a liberação definitiva da arte.

 

Cidade do México, 25 de julho de 1938


terça-feira, 26 de abril de 2011

UN COUP DE DÉS JAMAIS N'ABOLIRA LE HASARD

       Um pouco da poesia simbolista aqui expropriada para revolução. 
       O movimento do revolucionário Mallarmé (de "Um lance de dados") viria mais tarde influenciar o futurismo, de Maiakovisky, Pasternak e Pessoa; tal qual o imagismo e o vorticismo de Pound e Joyce e o microrrítimo de Cummings.  Abrindo caminho para a liberdade na criação poética.


O FAROL ( de Tristan Corbière)
                                                     
O sol, sem pelo, se reclina
Sobre um escolho:
Eis que o caolho se ilumina,
Piscando o olho.

De pé, Priapo em furacão,
Lambe-o a lama
De cio que ao céu espuma em vão...
— Mantém a flama.

Erguendo o mastro ele se alteia
E ri sem medo;
Feroz pedaço de candeia
Preso ao penedo!

— Em vão, sobre a velha cabeça,
Pra derrubá-lo,
A nuvem corcova e tropeça
Como um cavalo...

— Mantém a lâmpada, a sonhar,
Sobre a tormenta.
Bufa o tufão, abre-se o mar,
O vento venta,

Troa e vibra como uma trompa,
— Diapasão
De Eolo — Pode ser que rompa,
Mas dobrar, — não. —

Ao bom Musset ele cultua.
À noite, ri
E pousa ereto para a lua —
Um grande I.

...Uma vestal acende o facho
— É o 'vaga-lume' —
Virgem e mártir (sexo macho)
— Apaga-lume. —

Como um pau-d'água ante a bebida,
Em um bocal
Sacarrolhou a sua vida
Neste fanal.

Será filósofo ou poeta?
— Nem ele sabe. —
Será patético ou pateta? —
— Qualquer um cabe. —

Perguntem-lhe se ele cultiva
A solidão.
Dirá: — É provável que viva
Por compulsão.


BRINDE ( de Stéphane Mallarmé) 

                             Tradução:  Augusto de Campos 

Nada, esta espuma, virgem verso
A não designar mais que a copa;
Ao longe se afoga uma tropa
De sereias vária ao inverso.

Navegamos, ó meus fraternos
Amigos, eu já sobre a popa
Vós a proa em pompa que topa
A onda de raios e de invernos;

Uma embriaguez me faz arauto,
Sem medo ao jogo do mar alto,
Para erguer, de pé, este brinde

Solitude, recife, estrela
A não importa o que há no fim de
um branco afã de nossa vela. 


ROMÃS ( de PAUL VALERY )

                              Tradução:  Augusto de Campos

Duras romãs entreabertas
Pelo excesso dos grãos de ouro,
Eu vejo reis, todo um tesouro
Nascer de suas descobertas!
Se os sóis de onde ressurgis,
Ó romãs de entrevista tez,
Vos fazem, prenhes de altivez,
Romper os claustros de rubis,
E se o ouro sece cede enfim
Ante a demanda ainda mais dura
E explode em gemas de carmim,
Essa luminosa ruptura
Faz sonhar uma alma que há em mim
De sua secreta arquitetura.

O CORVO ( de E. A. POE)
         tradução: Fernando Pessoa
    Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste, Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais, E já quase adormecia, ouvi o que parecia O som de algúem que batia levemente a meus umbrais. "Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
    É só isto, e nada mais." Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro, E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais. Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais - Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
    Mas sem nome aqui jamais! Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais! Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo, "É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais; Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
    É só isto, e nada mais". E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante, "Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais; Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo, Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais, Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
    Noite, noite e nada mais. A treva enorme fitando, fiquei perdido receando, Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais. Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita, E a única palavra dita foi um nome cheio de ais - Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
    Isso só e nada mais. Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo, Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais. "Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela. Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais." Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
    "É o vento, e nada mais." Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça, Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais. Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento, Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais, Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
    Foi, pousou, e nada mais. E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura Com o solene decoro de seus ares rituais. "Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado, Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais! Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
    Disse o corvo, "Nunca mais". Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro, Inda que pouco sentido tivessem palavras tais. Mas deve ser concedido que ninguém terá havido Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais, Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
    Com o nome "Nunca mais". Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto, Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais. Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
    Disse o corvo, "Nunca mais". A alma súbito movida por frase tão bem cabida, "Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais, Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais, E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
    Era este "Nunca mais". Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura, Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais; E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais, Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
    Com aquele "Nunca mais". Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo À ave que na minha alma cravava os olhos fatais, Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais, Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
    Reclinar-se-á nunca mais! Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais. "Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais, O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
    Disse o corvo, "Nunca mais". "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta! Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais, A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo, A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
    Disse o corvo, "Nunca mais". "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta! Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais. Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais, Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
    Disse o corvo, "Nunca mais". "Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte! Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais! Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
    Disse o corvo, "Nunca mais". E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha, E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
    Libertar-se-á... nunca mais!








É O SILÊNCIO ( de PEDRO KILKERRY )


É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa…
Mas o sangue da luz em cada folha.
Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das cousas… Comovido
Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima…
E a câmara muda. E a sala muda, muda…
Àfonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima…
E abro a janela. Ainda a lua esfia
últimas notas trêmulas… O dia
Tarde florescerá pela montanha.
E ó minha amada, o sentimento é cego…
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.


BRISA MARINHA ( de STÉPHANE MALLARMÉ)

                             Tradução:  Augusto de Campos
 

A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.
Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres,
Ébrios de se entregar à espuma e aos céus
                                              [ imensos.
Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos,
Impede o coração  de submergir no mar
Ó noites! nem a luz deserta a iluminar
Este papel vazio com seu branco anseio,
Nem a jovem mulher que preme o filho ao seio.
Eu partirei! Vapor a balouçar nas vagas,
Ergue a âncora em prol das mais estranhas
                                              [ plagas!

Um Tédio, desolado por cruéis silêncios,
Ainda crê no derradeiro adeus dos lenços!
E é possível que os mastros, entre ondas más,
Rompam-se ao vento sobre os náufragos, sem
                                              [ mas-
Tros, sem mastros, nem ilhas férteis a vogar...
Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do
                                              [ mar!
 

domingo, 3 de abril de 2011

ACERCA DE DÉCIO PIGNATARI - O QUE É COMUNICAÇÃO POÉTICA?

Divulgo aqui alguns trechos da obra  "o que é comunicação poética?" de Décio Pignatari que (tentando fugir do lugar comum mas não fugindo) dispensa qualquer comentário:

SEMIÓTICA POÉTICA:
Para o lingüista Jakobson, duas são as chamadas figuras de retórica que
predominam nessa estruturação: a metonímia e a metáfora.
Metonímia = tomar a parte pelo todo
prevalece no sintagma
Metáfora = relação de semelhança entre duas coisas
designadas pela palavra ou conjunto
de palavras
prevalece no paradigma
Quanto à metonímia, que se observa nas palavras em geral, não há
dificuldade de entender, pois você já sabe que a palavra é formada da
montagem de partes ou pedaços de sons, que são os fonemas. As palavras de uma frase, por sua vez,
são pedaços extraídos do repertório léxico do idioma (dicionários) e das
categorias gramaticais, onde se agrupam por semelhança das funções que
exercem na frase (substantivos, advérbios, conjunções, etc.). Além disso,
elas designam objetos que são pedaços da chamada realidade.
O caso da metáfora, porém, cujos signos tendem a ser ícones (figuras),
apresenta uma alternativa. Comparemos dois exemplos:
exemplo a) José é águia
Que observa você aqui? Você percebe certos traços de semelhança ou
analogia entre José e a águia e os relaciona numa metáfora. Você nota,
porém, que a semelhança não está nos próprios signos (palavras, símbolos),
mas nas coisas ou objetos — no caso, uma pessoa e uma ave —, designados
por eles. Vemos, então, que a metáfora — neste e na maioria dos casos — é
um curioso fenômeno de analogia por contigüidade. Ou seja, ela é um ícone
por contigüidade — o que é uma espécie de contradição. Trata-se de um
ícone degenerado; por isso, a gente pode definir a metáfora como sendo um
hipoícone por contigüidade.
exemplo b) A guiar é águia
Você pode perceber que, aqui, há algo mais do que a semelhança
metafórica do primeiro exemplo. Que algo mais é esse? É que aqui há uma
transposição ou tradução da semelhança entre objetos para uma semelhança
de sons entre os próprios signos que designam esses objetos.
A analogia não fica só entre as partes ou objetos designados — mas é
trazida para as letras, os sons, as figuras dos próprios signos. Temos então
um verdadeiro ícone — um ícone por similaridade.
Como a semelhança de sons entre palavras (ou numa mesma palavra) é
chamada de paronomásia, achamos que ela, tanto quanto a metáfora — ou
até mais —, caracteriza o eixo de similaridade (paradigma).
Facilitando ainda mais as coisas, dá pra resumir do seguinte jeito: a
metáfora é uma semelhança de significados, a paronomásia é uma
semelhança de significantes.
É a possibilidade de inumeráveis ocorrências de sons semelhantes
dentro do sistema língua que cria as condições para o surgimento de
fenômenos como a paronomásia, a rima e a aliteração (= cadeia de sons
iguais ou semelhantes a intervalos). Uma cinqüentena de fonemas é
responsável pela formação das 80000 palavras que constituem o repertório
léxico básico da língua portuguesa.
A paronomásia possibilita o trocadilho e a poesia (junto com a
metáfora).
Descobriu Jakobson que a linguagem apresenta e exerce função poética
quando o eixo de similaridade se projeta sobre o eixo de contigüidade.
Quando o paradigma se projeta sobre o sintagma. Em termos da semiótica
de Peirce, podemos dizer que a função poética da linguagem se marca pela
projeção do ícone sobre o símbolo — ou seja, pela projeção de códigos nãoverbais
(musicais, visuais, gestuais, etc.) sobre o código verbal. Fazer poesia
é transformar o símbolo (palavra) em ícone (figura). Figura é só desenho visual? Não. Os sorf de uma tosse e de uma melodia
também são figuras: sonoras.
Em poesia, você observa a projeção de uma analógica sobre a lógica da
linguagem, a projeção de uma “gramática” analógica sobre a gramática
lógica. É por isso que a simples análise gramatical de um poema é
insuficiente. Um poema cria a sua própria gramática. E o seu próprio
dicionário. Um poema transmite a qualidade de um sentimento. Mesmo
quando parece estar veiculando idéias, ele está é transmitindo a qualidade do
sentimento dessa idéia. Uma idéia para ser sentida e não apenas entendida,
explicada, descascada.
A maioria das pessoas lê poesia como se fosse prosa. A maioria quer
“conteúdos” — mas não percebe formas. Em arte, forma e conteúdo não
podem ser separados. Perguntava o poeta Yeats: “Você pode separar o
dançarino da dança?” Quem se recusa a perceber formas não pode ser
artista. Nem fazer arte.
Diz a tradição que todo japonês deve fazer pelo menos um poema em
sua vida. A maioria faz (em geral, um poema bem curto)... e não mostra a
ninguém. Nesse poema ele procura resumir a sua visão do mundo. Para ele,
esse poema é a sua própria pessoa transformada em signos.
Veja, neste exemplo de Carlos Drummond de Andrade, a palavra
virando coisa, figura, e criando seu próprio dicionário:
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
O “inseto” deste poema não é a palavra “inseto”, mas o vocábulo cava.
Pelo corte do verso e pela reduplicação, o vocábulo-inseto “cava” é que se
move e adentra o poema como se este fosse a terra.
Paronomásia 1 (propriamente dita):
Violetas violentas
Paronomásia II (anagrama):
Comer e coçar é só começar
Comentou um adolescente a seu pai, observando esse provérbio: “É isso
mesmo..está certo — porque “comer” e “coçar” estão dentro de “começar”.
Paronomásia III (aliteração):
Vaia o vento
e vem vem
Vaia o vento
e vai vai
Paronomásia IV (rima):
Murmuro
muro


                                  .       .     .     .

RITMO

Na prática poética, use o seu ouvido. Para os poemas sem versos, use
também o olho. Sinta as pulsações. Leia poemas em voz alta. Poemas seus.
E de outros. Grave no gravador. Ouça. Ouça. Torne a gravar. Ouça.
Compare. Se precisar de mais de uma voz, chame os amigos.
O ritmo é uma sucessão ou agrupamento de acentos fracos e fortes, longos e
breves. Esses acentos não são absolutos, mas relativos e relacionais —
variam de um caso para outro. O ritmo tece uma teia de coesão.
O ritmo pressupõe um jogo fundo/figura. No caso do som, o fundo é o
silêncio. O contra-acento é a pausa. Trata-se de um silêncio ativo, não
passivo e neutro. O silêncio é parte integrante da música e da poesia.
Os ritmos formam sistemas. Você pode aproveitálos, rejeitá-los, tentar criar
outros. Como ele é uma figura, um ícone, não pode ser inteiramente
explicado. O significado das palavras interfere no ritmo:
1) Chega hoje da Europa o embaixador Moreira
2) Dança, dança, morena, imperatriz do samba
3) Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.
Reduzido a esqueleto, o ritmo pode ser tido como batidas de compasso,
cadência, métrica. Nos três exemplos acima, temos praticamente a mesma
métrica ou compasso — mas não temos o mesmo ritmo. A informação banal
e prosaica da primeira frase não diz nada ao ouvido em matéria de ritmo. Na
segunda, a informação também é comum, mas já atua ritmicamente. Na
terceira — que é um verso de Bilac — o ritmo se impõe como figura, como ícone, para acompanhar uma informação pouco comum.
Na tradição poética ocidental, 4 são os esquemas rítmicos fundamentais
— 2 binários e 2 ternários. Muito fáceis de entender e de lembrar. Vamos
ilustrar cada um com acentos gráficos, palavras isoladas, frases correntes,
versos e desenhos.
1. Ritmo binário ascendente: um acento fraco (breve) seguido de um
forte (longo). Assim:
○ ●
azul
Em plena luz do dia
○ ● ○ ● ○ ●
“A nuvem guarda o pranto”
(Alphonsus de Guimarães)
“A sorte deste mundo é mal segura”
(Tomás Antônio Gonzaga)
Observe, neste último exemplo: o “é” funciona como acento fraco e faz
elisão (se liga) com o “o” de “mundo”:
A sorte deste mundoé malsegura.
Numa fachada de casa antiga, esse ritmo ficaria assim, visualmente:
II. Ritmo binário descendente: um acento forte seguido de um acento
fraco. Assim:
● ○
boca
Dei vexame ontem
● ○ ● ○ ●
“Paira à tona de água
.....................................
“Tenho tanta pena!”
(Fernado Pessoa)
A nossa fachada ficaria assim:
Figura
III. Ritmo ternário ascendente: 2 acentos fracos seguidos de um acento
forte. Assim:
○ ○ ●
Animal
Antonieta não viu o tatu
○ ○ ● ○ ○ ● ○ ○ ●
“Tu choraste em presença da morte,
Em presença da morte choraste?
Não descende o covarde do forte,
Pois choraste, meu filho não és!”
(Gonçalves Dias)
IV. Ritmo ternário descendente: um acento forte seguido de dois
acentos fracos. Assim:
● ○ ○
impeto
Fátima diz que não toma nem pílula.
● ○ ○ ● ○ ○ ● ○ ○ ●
“deito na beira do rio
mando chamar a mãe-d’água”
(Manuel Bandeira)
“fique esta vida bem viva
para contar minha história”
(Cecília Meireles)
“Fonte de fogo
dá- me essa Glória
Sarça de fogo
dá- me o Poder
Cinza de fogo
dá-me esse Reino”
(Mário Faustino)




AMOSTRAGEM SINCRÔNICA:
TUDO AO MESMO TEMPO
Ezra Pound classifica os poemas em três tipos fundamentais:
1) aqueles em que predomina a fanopéia: imagens, comparações,
metáforas;
2) aqueles em que predomina a melopéia: música, mesmo dissonante ou
antimúsica;
3) aqueles em que predomina a logopéia: “dança das idéias entre as
palavras”.
Você pode encontrar até as três características num mesmo poema.
A logopéia tende a beirar a prosa. É a similaridade caminhando rumo à
contigüidade, o ícone rumo ao símbolo, o analógico rumo ao lógico.
Fanopéia e melopéia:
Longe de prata semeava a seara...
............................................(Oscar Rosas, 1862-1925)
Fanopéia:
Maria Magdá, debutante de maio,
esmaga um rouxinol na axila depilada,
e Fred (Frederico) e Ted (Teobaldo)
defloram seu baton nas tardes de Eldorado.
(Haroldo de Campos)
Logopéia:
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti, afinal.
(Fernando Pessoa)
Melopéia:
Me sinto perdida
no meio da noite
da noite tão triste
tão triste de ver
de ver que não vejo
você meu desejo
desejo tão triste
tão triste de ter.
(Aloysio Figueiredo eJ. M. Costa —
Gravação de Maysa)
Fanopéia háptica (tátil):
E que prazer o meu! que prazer insensato!
— pela vista comer-te o pêssego do lábio,
e o pêssego comer apenas pelo tato.
(Gilka Machado)
Sinestesia: os sentidos contaminando os seus códigos:
Nasce a manhã, a luz tem cheiro... Ei-la que assoma
Pelo ar sutil... Tem cheiro a luz, a manhã nasce...
Oh sonora audição colorida do aroma!
.............................................(Alphonsus de Guimarães)

AS FUNÇÕES DE LINGUAGEM DE JAKOBSON

Roman Osipovich Jakobson (em russo: Роман Осипович Якобсон; 1886 - 1982) foi filosofo e criador da analise estrutural da poesia, criou tambem suas famosas FUNÇÕES DE LINGUAGEM apresentadas abaixo:

Função emotiva ou expressiva

Esta função ocorre quando se destaca o emissor. A mensagem centra-se nas opiniões, sentimentos e emoções do emissor, sendo um texto completamente subjetivo e pessoal. A ideia de destaque do locutor dá-se pelo emprego da 1ª pessoa do singular, tanto das formas verbais, quanto dos pronomes. A presença de interjeições, pontuação com reticências e pontos de exclamação também evidenciam a função emotiva ou expressiva da linguagem. Os textos que expressam o estado de alma do locutor, ou seja, que exemplificam melhor essa função, são os textos líricos, as autobiografias, as memórias, a poesia lírica e as cartas de amor.
Por exemplo:

"        É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender! "
Poema do amigo aprendiz, Fernando Pessoa

Função referencial ou denotativa

A mensagem é centrada no referente,referencial, no assunto (contexto relacionado a emissor e receptor). O emissor procura fornecer informações da realidade, sem a opinião pessoal, de forma objetiva, direta, denotativa. A ênfase é dada ao conteúdo, ou seja, às informações. Geralmente, usa-se a 3ª pessoa do singular. Os textos que servem como exemplo dessa função de linguagem são os jornalísticos, os científicos e outros de cunho apenas informativo. A função referencial também é conhecida como cognitiva ou denotativa.
Características
  • neutralidade do emissor;
  • objetividade e precisão;
  • conteúdo informacional;
  • uso da 3ª pessoa do singular (ele/ela).

Função apelativa ou conativa

A mensagem é centrada no receptor e organiza-se de forma a influenciá-lo, ou chamar sua atenção. Geralmente, usa-se a 2ª pessoa do discurso (tu/você; vós/vocês), vocativos e formas verbais ou expressões no imperativo. Como essa função é a mais persuasiva de todas, aparece comumente nos textos publicitários, nos discursos políticos, horóscopos e textos de auto-ajuda. Como a mensagem centra-se no outro, ou seja, no interlocutor, há um uso explícito de argumentos que fazem parte do universo do mesmo. Exemplo:"Fique antenado com seu tempo..."; "Compre já, e ganhe dicas surpreendentes!".

Função fática ou de contato

O canal é posto em destaque, ou seja, o canal que dá suporte à mensagem. O interesse do emissor é emitir e simplesmente testar ou chamar a atenção para o canal, isto é, verificar a "ponte" de comunicação e certificar-se sobre o contato estabelecido, de forma a prolongá-lo. Os cacoetes de linguagem como alô, né?, certo?, afinal?, ahã,num, "ei", dentre outros, são um exemplo bem comum para se evidenciar
"Contato entre emissor e receptor"

Função poética

É aquela que põe em evidência a forma da mensagem, ou seja, que se preocupa mais em "como dizer" do que com "o que dizer". O foco recai sobre o trabalho e a construção da mensagem. A mensagem é posta em destaque, chamando a atenção para o modo como foi organizada. Há um interesse pela mensagem através do arranjo e da estética, valorizando as palavras e suas combinações. Essa função aparece comumente em textos publicitários, provérbios, músicas, ditos populares e linguagem cotidiana. Nessa função pode-se observar o intensivo uso de figuras de linguagem, como o neologismo, quando se faz necessária a criação de uma nova palavra para exprimir o sentido e alcançar o efeito desejado. Quando a mensagem é elaborada de forma inovadora e imprevista, utilizando combinações sonoras e rítmicas, jogos de imagem ou de idéias, temos a manifestação da função poética da linguagem. Essa função é capaz de despertar no leitor prazer estético e surpresa. É explorada na poesia e em textos publicitários.
Características
  • subjetividade;
  • figuras de linguagem;
  • brincadeiras com o código.

Função Metalinguística

Caracterizada pela preocupação com o código. Pode ser definida como a linguagem que fala da própria linguagem, ou seja, descreve o ato de falar ou escrever. A linguagem (o código) torna-se objeto de análise do próprio texto. Os dicionários e as gramáticas são repositórios de metalinguagem.
Exemplos:
“Lutar com palavras é a luta mais vã. Entretanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem há sevícia que as traga de novo ao centro da praça.” Carlos Drummond de Andrade

Nesse poema, Drummond escreve um poema sobre como escrever poemas. Ou seja, a criação literária fala sobre si mesma.
Um outro exemplo é quando um cartunista descreve o modo como ele faz seus desenhos em um próprio cartum; ele demonstra o ato de fazer cartuns e como são feitos.

AS 10 CATEGORIAS DO SER (DE ARISTÓTELES)

No estudo das três artes da linguagem, as dez categorias do ser de Aristóteles são categorias metafísicas que classificam palavras em relação ao nosso conhecimento do ser. Encontram correspondência nas dez categorias ou praedicamenta da lógica, que classificam os nossos conceitos, o nosso conhecimento do ser. Ei-las:
  • 1. Substância é o que existe em si mesmo, p.ex., homem.
  • 2. Quantidade é a determinação da matéria da substância, dando-lhe/ atribuindo-lhe partes distintas de outras partes, p.ex., alto.
  • 3. Qualidade é a determinção da natureza ou da forma da substância, p.ex., inteligente.
  • 4. Relação é a referência que uma substância ou um acidente estabelece com uma outra, p.ex., amigo.
  • 5. Ação é o exercício das faculdades ou de poder sobre a substância, de modo a produzir um efeito em alguma outra coisa ou nela mesma, p.ex., sorrir e quebrar.
  • 6. Paixão é a recepção sofrida, por uma substância, de um efeito produzido por algum agente, p.ex., ser demitido, ser ferido.
  • 7. Quando é posição em relação ao curso de eventos extrínsecos, e que mede a duração de uma substância, p.ex., tarde de ontem.
  • 8. Onde é posição em relação aos corpos que circundam uma substância, que mede e determina o seu lugar, p.ex., próximo à estação.
  • 9. Postura é posição relativa que as partes de uma substância têm quanto às outras, p.ex., sentado.
  • 10. Vestuário consiste em roupas, ornamentos ou armas com as quais os seres humanos, por suas habilidades, complementam as suas naturezas de modo a conservar e preservar a si mesmos ou a sua comunidade (o outro ente).

sábado, 19 de março de 2011

A NOVA POESIA MARGINAL

Grandes talentos literários surgiram nos últimos anos, mas infelizmente não há qualquer interesse de divulgação, pois somos cegados por uma ditadura cultural subliminarmente imposta, fruto do imperialismo que a tudo controla, que impossibilita o crescimento e evolução intelectual da massa, invertendo assim todos os princípios da arte. Nos tempos atuais, a falsa arte predomina, escondendo os verdadeiros talentos e separando até mesmo a beleza da própria arte. Nossa cultura é rançosa e somos agrilhoados às correntes de ventos passados. Deixo aqui alguns exemplos da nova geração da poesia brasileira analisados exegéticamente : 

     

                                   A palavra



Um poeta discursa
                    sua prosa
             uma
                 g
                   o
                     t
                       a
                             de
                               palavra
                                           esboça
                           um crânio numa
                                  rosa

                                           (Daniel Perico Graciano, O beijo do relâmpago)     


Nesse primeiro poema foi usado o rítmo ternário ascendente ("um-po-é-ta-dis-cur-sa-sua-pro-sa...") que juntamente com os " Ss", predominantes em todo o corpo do pequeno texto, esboça sutilmente um "sentimento" de suavidade ao ser lido, como se a "gota de palavra" fosse uma petala da mesma "rosa" que se perde no vento do branco da página. Aqui o paradigma se projeta sobre o sintagma, ou seja, o similar se projeta sobre o contínuo, fazendo com que a ímagem idealiza se projete sobre a palavra, acarretando também, consequentemente, a sobreposição de uma gramática analógica em relação à uma gramática lógica.
A tipografia do texto também é estratégica, ela tem a função de suprir a ausência de pontuação, ou qualquer símbolo gramatical, provavelmente influenciado por poemas orientais, onde isso é muito usado, o poeta usa a tipografia para "desenhar o poema", quase pictograficamente. Os espaços em branco provocam inconscientemente no leitor as pausas, que seriam "seguidas" conforme a pontuação inexistente. O poema "A palavra" está presente no livro "O beijo do relâmpago" de Daniel Perico Graciano.






Distraídos



                         Ninguém viu
                         A lanterna  chinesa
                                               acesa nos olhos
                                                                       do poeta.

                                                                       (Nilton Viana, Procissão das lamparinas)


Já nesse segundo exemplo, o ritmo importa bem menos que a imagem, pois um compasso se mescla a outro, o que de maneira alguma o torna menos interessante. As tónicas aparecem na terceira, sexta e nona nos dois primeiros versos (ternário ascendente), libertando-se nos próximos versos para investir somente na metonímia.  Predomina aqui tambem o eixo do paradigma sobre o eixo do sintagma, alguns acreditam que somente assim um poema é um poema, o que eu, particularmente, concordo. Uma cadeia de "N N" junto a vogais quase sempre surdas causa nos dois primeiros versos um efeito mais tranquilo, que é sustado repentimente por sons de "s": a lanterna nos olhos. o poema "distraídos" está no livro "Procissão das lamparinas" de Nilton Viana.



Deixo aqui, além desses dois belíssimos exemplares outros poemas contemporâneos de meu gosto.



ESTRABISMO  (de Julio Machado)

Chega à beira do poço;
mede nele o intervalo
que vai de um olho a outro.

Mede nesse intervalo
o eixo torto que faz
do esquerdo, o direito.

Vê como esse esquerdo
reconhece sem medo
o que em Narciso é feio.

Repara no direito
a lágrima em coalho,
véu de leite tão velho.

Faz do suco da lágrima
a beleza que turva,
ledo, o engano da água.

Esquece então que és caolho:
Faz do intervalo um elo,
da água turva, um espelho.


 



AGENDA  ( de Ana Cecília de Sousa Bastos)

Decididamente não me interessam as vãs soluções,
nem as posições corretas
essas respostas que a gente busca na opinião
                                                   [ informada,
antes de conferir o próprio desejo;
nem os dados que o banco ou a polícia já guardam por ofício,
nem como envelhecemos igual
por força não da idade, mas do hábito.

De todas as perguntas,
só quero reter a centelha.

Desejo saber a que horas do dia encontro no céu
                                   [ este azul de agora.
Desejo saber a que horas da vida há este sorriso
                                   [ nos olhos dos filhos.
Desejo saber quanto dura a paixão pela vida.







PRIMAVERA ( de Daniel Perico Graciano)


uma pétala de hidrogênio
beija o seio de uma ogiva
e o brilho de uma estrela
cavalga em carne viva.


NASCENTE ( de Mariana Botelho)

córrego
cachoeira
ribeirão

eu choro
pra pertencer à paisagem



AINDA LENÇÓIS ( de Djalma Filho)

Lençóis abaixo
Lençóis acima
Trocentas diversões
Meu traço risca teu
espaço em voz e direção
Meu corpo encurva
e te submete a mais
uma exploração...

Lençóis abaixo
Lençóis acima
Perco o diapasão
Há um afinar de
corpos pelo ouvido
Quero te ouvir sempre
em movimentos entônicos
de orgasmos

Lençóis abaixo
Lençóis acima
Caio de quatro
Percebo no ato o
penetrar manso
Estou alucinado
pelos movimentos sutis
de descobertas

Lençóis abaixo
e acima...
estou em ti...
como voraz os pés
da cama...
e a teus pés eu
declamo
harmonias loucas
perdidas e lúcidas
já sem lençóis,
sanidade
ou sensatez. 





IRAQUE ( de Daniel Perico Graciano)


 de tanto respirar
        a imortalidade
            uma borboleta
                  mergulha na clave
                                       de fá 


 ELA E EU ( de Mauricio C. Marques)

Ela falava de Sonhos,
Eu sonhava.

Ela falava de lugares,

Eu viajava...

Ela falava de fé,
Eu acreditava. (abraçava)

Ela sabia tudo de anjos.
 
Eu acendia velas. (pro meu e pro dela)
Ela gostava de flores,

Eu cuidava do jardim.

Ela tinha ideais,

Eu corria atrás.

Ela era atriz,

E representava muito bem.

Ela era bailarina,

Eu, dancei.